sábado, novembro 28, 2009

Luzes que se apagam e nada mais



Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
e o que se foi não voltará jamais...



A diferença entre falar e escrever é que a percepção do significado das palavras ouvidas é diferente de sua visualização na impressão em conjunto. O som não é apenas ouvido, mas também sentido por meio da pele que ajuda na compreensão de seu significado. Apesar disso um sistema de escrita é muito mais complexo do que o idioma falado, pois representa um conjunto de signos convencionados que concedem a possibilidade daquela escrita.

Um sistema de escrita, ou simplesmente uma escrita, é um tipo de comunicação por símbolos chamados de caracteres ou grafemas, usados para registrar visualmente uma língua falada, com finalidades múltiplas, inclusive a de comunicação; a escrita permite registrar mensagens para recuperação futura e admite a formação de uma memória domiciliada. Nesse sentido a escrita é a representação gráfica e convencionada do idioma. É a interface da linguagem. Tanto o idioma como a escrita são mutáveis, mas em dias de trocas estruturais intensas no linguagear da Internet o sistema da escrita pode ter diferentes representações e convenções que não se conectam mais ao todo da base fixa.

Os habitantes de uma nação estabelecem sua comunicação por meio de sua língua. Toda comunidade só existe com um idioma, que atualmente somam cerca de quase sete mil línguas articuladas. As mais faladas sendo: hindu, espanhol, inglês, árabe, português. bengali, russo e japonês. São idiomas falados por mais de cem milhões de pessoas.

Já os sistemas de escrita vigentes são cerca de 400 e destes 127 são de raiz latina. As outras escritas são de raiz cirílica, árabe, indiana, chinesa, japonesa grega e mais outras 25 origens.

Uma forma devastadora de violência é a que se pratica passivamente ao não se preservar os idiomas e as escritas ao se aceitar uma monogamia cultural. Despir as minorias da sua própria identidade falante é promover o seu desaparecimento. A UNESCO elaborou um livro das línguas ameaçadas, reflexo da crescente preocupação que o problema está despertando. Os linguistas acreditam que das 6800 línguas vivas podem desaparecer entre 3400 e 6100, antes de 2100, o que supera a estatística de uma língua extinta a cada duas semanas. A melhor forma de referir esta realidade não é dizendo que as línguas foram assassinadas. Seis mil idiomas acabados fecharão também muitas escritas.

Das mais de três mil línguas indígenas que existiam Brasil na época dos colonizadores, a metade na regiões amazônicas hoje restam cerca de 150 línguas indígenas na região. A condição oral e escrita de uma língua é essencial para classificar e relacionar a informação em uma dada cultura, assim como, determinar a maneira de como seus habitantes percebem o mundo e interagem com ele.

Ao se encerrar uma língua perde-se para sempre o saber, os hábitos, o conhecimento de uma cultura. Apagam as condições espirituais, os processos e instrumentos de uma nação; as lendas e mitos de um povo; toda a sabedoria que esta nação teria guardado sobre a natureza e sua interação com ela. Fecha-se uma porta sem abrir qualquer janela. Estas são luzes que se apagam para sempre e jamais renascerão.

O relato de casos peculiares de fechamento de uma língua indígena, vale contar:

O tempo era a meados do século XVI e por volta de 1554 no Brasil das Capitanias, quando surgiu um desentendimento entre Álvaro da Costa, o filho do governador Geral e Dom Pero Sardinha o bispo designado pela Coroa. O bispo criticou publicamente o comportamento livre do jovem, bem como a omissão de seu pai Duarte da Costa, o governador geral.

Apesar de o bispo ter grande influência por ter sido colega de São Inácio de Loyola e professor de teologia nas Universidades de Paris e Salamanca o poder político falou mais forte. Dom João III, em Portugal, ao saber do problema, chamou o bispo de volta para se explicar. Dom Sardinha reuniu, então, um grupo devoto para levar a ver o Rei, explicar os acontecimentos, e pedir para acabar com os pecados permitidos do lado de cá do Equador. Mas Portugal sabia bem o que acontecia por aqui e achava que a linha que divide os hemisférios separasse também a virtude do vício.

Todavia, para felicidade de Duarte da Costa de seu filho e do pecado o navio em que o bispo Sardinha se encontrava naufragou no litoral de Alagoas, sendo o bispo e todos seus acompanhantes devorados pelos índios Caetés. Era 16 de junho de 1556.

Os comensais do bispo viviam numa população de 75 mil índios desde a ilha de Itamaracá até as margens do rio São Francisco. Habitavam o seu país com sua língua, seus ritos e cultura.

Depois de “consumir” o bispo os índios foram considerados "inimigos da civilização" por uma Carta Régia de 1537 que consagrava a ordem para sua escravização. Em 1562, Mem de Sá, o novo governador, determinou que os índios da nação fossem aprisionados sem exceção. E a nação Caeté foi extinta. Apagaram toda uma cultura em nome da civilização.

Outra caso nos chega através de Friedrich Alexander von Humboldt, naturalista alemão, explorador, filosofo e lingüista. Em 1804, o explorador Humboldt voltou de sua expedição de cinco anos a América Central e do Sul, trazendo consigo uma transcrição de 40 palavras ditas por um papagaio que se acreditava ser o último falante de uma língua extinta.

Sua expedição foi na região do rio Orenoco, na Amazônia venezuelana, em região perto dos índios Atures inimigos dos índios Maipures “Nada pode ser mais grandioso que esta região. Uma terra de fábulas, de visões e de fadas”, escreveu o explorador.

Apesar disso, em determinado momento da viagem, chegaram à aldeia dos índios Atures e descobriram que ela havia sido incendiada até os seus alicerces pelos agressivos Maipures; os restos dos Atures já começavam a ser cobertos pela mata da selva. Buscaram e buscaram, mas não havia sobrevivente algum.

Só encontraram, conta a história, um aturdido papagaio de cores brilhantes que vivia entre as ruínas e repetia uma e outra vez longos discursos numa língua incompreensível. Era a língua dos Atures, mas não restava mais ninguém que a entendesse.

O silencio do conhecimento é o silêncio da informação escondida que pode ser uma terrível desarmonia entre uma linguagem e as suas escritas. Um silêncio da linguagem diante dos ruídos de uma escrita que se reinventa multiplicada nos formatos e nos diferentes contornos de convivência escrita e falada.

Aldo de A Barreto



Language statistics & facts
http://www.vistawide.com/languages/language_statistics.htm

A nova forma de violência
http://mc.jurispro.net/contrato.htm

Sistemas de linguagem do mundo
http://www.omniglot.com/writing/definition.htm

De volta ao Orinoco, seguindo von Humboldt
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=14&id=132

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